Sobre Médicos, Robôs e a Telemedicina
Por:
Ana Helena Guimarães
“Em
uma escala de 1 à 10, qual o seu nível de dor?” Quem assistiu à animação
Operação Big Hero, lançada pelos estúdios Disney em 2014, vai se lembrar da
fala do simpático robozinho inflável, Baymax, ao realizar um dos mais de dez
mil procedimentos médicos para os quais foi programado. Totalmente equipado, o
robô era capaz, não só de realizar os procedimentos em si, mas identificar a
necessidade de socorro do paciente.
Baymax
é apenas um de incontáveis exemplos de tecnologias médicas encontradas na
ficção. Assistindo a filmes e séries, nos deparamos com realidades fantásticas,
e por vezes bastante verossímeis, que nos fazem desejar que a medicina avance para
patamares só alcançados nas mentes dos roteiristas. Afinal, não parece de todo
ruim a ideia de ter um robô inflável e fofinho cuidando 24h da sua saúde.
Em
que pese não ser possível competir com a criatividade dos escritores, a
tecnologia do mundo real parece chegar a rumos que antes eram exclusivos do
mundo da ficção científica. Porém é preciso dizer o óbvio: o mundo real nem
sempre é tão simples como o das telas de cinema.
Afinal,
considerando apenas os aspectos jurídicos, seria possível nos dias de hoje a
utilização de um robô ao estilo Baymax? Essa questão nos remete diretamente a
um tema muito falado no início desse ano: a Telemedicina.
Resumidamente,
a Telemedicina consiste no exercício médico, praticado à distância, com
objetivos voltados à informação, tratamento e diagnósticos de indivíduos,
utilizando para isso os meios de telecomunicação, como a internet. Esse termo
inclui outros mais específicos, como a Teleassistência, Teleconsulta e
Tele-educação.
A
Telemedicina é um caminho natural, que foi surgindo à medida que os meios de
comunicação e a tecnologia como um todo começaram a evoluir. Porém quando
alguma matéria impacta diretamente no bem-estar das pessoas, ela se torna
juridicamente relevante. E, tratando de um bem jurídico tão importante como é a
vida do paciente, é evidente que a questão da Telemedicina deve ser muito bem
regulamentada, certo? Mas não está. Ao menos por ora.
Desde
2002 a Telemedicina é regulada através da Resolução 1.643/2002 do Conselho
Federal de Medicina (CFM). O problema é que essa norma é bastante genérica, e
não abrange todas as possibilidades que a Telemedicina oferece, englobando
apenas as modalidades de assistência,
educação e pesquisa. Ou seja, ficam excluídas as espécies prevenção de doenças e lesões e promoção
de saúde.
Em
fevereiro desse ano, o CFM publicou a Resolução 2.227/2019, que visava
regulamentar, pormenorizadamente, as práticas de Telemedicina, abrangendo todas
as modalidades acima descritas. A norma incluía até mesmo a possibilidade de
cirurgias à distância, nas quais um médico poderia operar o paciente através de
um robô, desde que na sala de cirurgia houvesse também um médico presencial,
habilitado a continuar a operação em caso de falha do equipamento.
A
Resolução não foi bem aceita pela comunidade médica, e algumas entidades questionaram
parte de seu conteúdo, ressaltando a necessidade de debates, em especial no que
diz respeito à relação médico-paciente. Assim, em 26/02/2019, o CFM publicou a
Resolução 2.228/2019, que revogou integralmente o conteúdo da anterior e
reestabeleceu as regras de 2002. Então não... nada de Baymax por enquanto.
O
que se pode dizer é, mesmo que careça de regulamentação em muitos pontos, a
Telemedicina ainda é de grande valia aos profissionais da saúde, na medida em
que podem, por exemplo, consultar colegas com especialidades diversas da sua, visando
melhorar o diagnóstico e tratamento de seus pacientes.
Quando
devidamente regulamentada, porém, a Telemedicina poderá servir para expandir o
atendimento médico a uma população que não consegue acesso à saúde pelos meios
convencionais. Além de muitas outras implicações que nada tem a ver com a ficção
científica. Contudo sua efetivação deve ser amplamente debatida pelos
profissionais da área médica, através de seus respectivos Conselhos e demais
entidades, para que, quando enfim concretizada, possa trazer apenas benefícios
aos pacientes.
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